Quando abordados pela fiscalização, os fazendeiros zombavam dos fiscais. Em um auto de infração consta declaração de um infrator: “A gente sabe que tudo isso não dá em nada” e “Aqui nada será destruído pois a lei do Bolsonaro não permite.”
Fiscais do ICMBio e outros órgãos identificaram que fazendas na região da Estação Ecológica Maracá, em Roraima, estavam sendo usadas para operações logísticas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Ainda em setembro do ano passado, quando a fiscalização era reprimida pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram flagrados em uma fazenda próxima a Terra Indígena (TI) Yanomami grande quantidade de galões de 50 litros de combustível, alimentos, mangueiras e materiais diversos.
Naquela ocasião, agentes do ICMBio abordaram um homem que admitiu fazer o transporte de suprimentos e pessoas para o garimpo. Ele foi multado, não pela relação com o garimpo, mas por estar em uma unidade de conservação sem permissão. Segundo o relato que consta no auto de infração, o homem ironizou a ação de fiscalização dizendo que “a gente sabe que tudo isso não dá em nada” e que “aqui nada será destruído pois a lei do Bolsonaro não permite.”
Os dados foram obtidos pelo projeto Data Fixers, em parceria com a agência de dados Fiquem Sabendo. A lista com 7.180 autuações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), divulgadas pelo portal https://fiquemsabendo.com.br/ se referem à invasão e apropriação indevida de territórios indígenas e que foram lavradas nos últimos anos. O desrespeito à propriedade dos indígenas ocorre em todo o Brasil, inclusivo no Espírito Santo. Confira a seguir a lista com 7.180 autuações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em arquivo PDF:
Confira-a-lista-com-7.180-autuacoes-do-Instituto-Chico-Mendes-de-Conservacao-da-Biodiversidade-ICMBioOs autos foram ignoradas pelos infratores. Entre eles estão seis contra a Suzano, atual dona da antiga Aracruz Celulose. São três autos de infração referentes a terra indígena na reserva de Comboios e outras três na reserva Tupiniquim, ambas em Aracruz (ES). Os dados constam em recente divulgação de transparência do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que foram reabertos pelo governo Lula.
Fazendeiros de Roraima
De acordo com a Polícia Federal (PF), fazendeiros de Roraima, localizados nas proximidades da TI Yanomami davam suporte logístico para os garimpeiros ilegais atuarem. Eram dezenas de fazendas, de acordo com a PF, além do suporte que é dado aos criminosos do garimpo por políticos, servidores públicos, empresas e empresários de Roraima. Esses últimos atuam na lavagem do ouro e da cassiterita extraída ilegalmente do território dos Yanomami, segundo constatação feita pelo chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais da PF, delegado Thiago Leão Bastos.
Além das pistas de pouso clandestinas feitas pelos garimpeiros, através do desmatamento, ainda há em Roraima pistas sem registro junto a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) dentro das fazendas que circulam o território Yanomami. Nas propriedades privadas, as pistas são feitas escondidas, não permitindo que sejam visualizadas por quem transita nas rodovias ou estradas vicinais. Um dos locais onde há maior incidência da criminalidade em torno da extração ilegal do ouro e da cassiterita é a Vila Campos Novos, que fica próxima às terras dos Yanomami e está a 130 quilômetros de Boa Vista, a capital de Roraima.
Empresários bolsonaristas detém a maior frota de aviões ilegais
Segundo a ONG Infoamazona, o grupo liderado por Rodrigo Cataratas, empresário bolsonarista e ex-candidato a deputado federal pelo PL, é acusado de manter frota aérea milionária em áreas de garimpo. Levantamento identificou 169 pistas de pouso ilegais em Roraima, 55 delas na Terra Indígena Yanomami.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o grupo de Cataratas movimentou cerca de R$ 425 milhões nos últimos dois anos – apenas uma das aeronaves apreendidas pela PF em 2021 é avaliada em 13 milhões de dólares. Além da relação com o garimpo em Roraima, o empresário também estaria ligado a operações de extração de ouro no Pará.
Em agosto de 2021, pelo menos nove aeronaves ligadas ao empresário foram apreendidas pela PF em operações de combate ao garimpo na TI Yanomami, incluindo um helicóptero da Polícia Civil do Rio de Janeiro e aviões de terceiros controlados por Cataratas.
Aeronaves sem plano de voo e modificadas
Essas aeronaves, segundo as investigações, operavam sem planos de voo e totalmente modificadas para atuarem nos garimpos. E mesmo longe dos radares da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), através de “aparelhos de GPS instalados nas aeronaves, verificou- se a realização de diversas viagens prévias à TI Yanomami”, apontou a investigação.
Em uma das ações da fiscalização, a polícia embargou uma pista de pouso que funcionava como base de apoio ao garimpo em uma fazenda de Cataratas, no município de Mucajaí, a apenas 7 km da terra Yanomami. O local tinha heliponto, tanque para reabastecimento de aeronaves e oficina para manutenção. Tudo sem autorização.
Os relatórios de fiscalização das aeronaves foram juntados como provas da ligação de Cataratas com o garimpo ilegal em terras indígenas na denúncia do MPF contra o empresário e outras quatro pessoas. Cataratas é acusado de usurpação de bens da União, extração de recursos minerais sem autorização, constituição de organização criminosa e outros crimes.
Mercúrio
Na fazenda de Cataratas, os policiais apreenderam dois quilos de mercúrio, substância tóxica usada para depurar o ouro nos garimpos, suprimentos para abastecer os garimpos, GPS que confirmam as rotas das aeronaves, e mais de 40 mil litros de combustível.
Pelo menos duas das aeronaves apreendidas estão registradas em nome de Filipe José da Silva Galvão, que aparece como operador de outras aeronaves de Cataratas. Galvão foi multado como responsável por um garimpo ilegal na região.
À Justiça, os advogados de Cataratas sustentam que o empresário tem autorização legal para minerar. Segundo a defesa de Cataratas, o empresário é sócio em pelo menos sete projetos de mineração em Roraima e no Pará, e mantém pelo menos outros dois pedidos em seu nome em Roraima. Uma das áreas requeridas faz limite com território Yanomami.
Além disso, durante a gestão de Bolsonaro, a Icaraí Turismo Táxi Aéreo, uma das empresas de Cataratas, firmou contrato com o Ministério da Saúde para atendimento na TI Yanomami e recebeu 23 milhões de reais. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que a empresa já estava em situação irregular na época e não poderia sequer ter sido contratada pelo governo federal.